A encefalomielite aviária (EA) pode não estar hoje entre as enfermidades de maior destaque na avicultura, mas até meados da década de 60, ela trouxe grandes impactos econômicos para as indústrias que só passaram a ser contornados após o desenvolvimento de vacinas, anos depois. Hoje, a vacinação das aves de vida longa (poedeiras comerciais e reprodutoras) é ferramenta fundamental para o controle dos surtos da doença nesses plantéis, assim como em lotes de frangos de corte, devido à proteção conferida à progênie por transmissão vertical.
A distribuição da doença é cosmopolita e a sua primeira descrição (nomeada de “tremor epidêmico” à época) ocorreu nos Estados Unidos, em 1930, por Jones, ao observar tremores de cabeça em pintos. No Brasil, a doença foi descrita em 1964, em frangos de corte do estado de São Paulo e se espalhou rapidamente para outros estados ao longo dos anos.
O vírus causador da encefalomielite aviária é um Tremovirus A (antigo Avian encephalomyelitis virus), classificado dentro da família Picornaviridae, que exibe tropismo pelo sistema nervoso central de galinhas, perus, faisões, codornas e pombos. A partícula viral (figura 1) caracteriza-se por seu formato icosaédrico com uma estrutura externa composta por 32-42 capsômeros. A ausência de envelope confere a esses vírus bastante resistência às condições ambientais adversas, podendo permanecer viáveis por longos períodos no ambiente de criação. O genoma do vírus (RNA fita simples) codifica as poliproteínas P1, P2 e P3. A região P1 codifica as 4 proteínas estruturais: VP1, VP2, VP3 e VP4.
Figura 1: Representação do capsídeo viral com destaque para as proteínas estruturais.
Fonte: Viralzone.
A doença afeta principalmente aves jovens, geralmente com 1 a 2 semanas de idade, com sinais clínicos (figura 2) como ataxia, fraqueza nas pernas, mobilidade reduzida e tremores principalmente de cabeça e pescoço. Embora as aves adultas não apresentem a sintomatologia clássica da doença, há prejuízos nos índices zootécnicos. A infecção pode causar uma queda temporária na produção de ovos (entre 5 e 10%) , acompanhada de diminuição da taxa de eclodibilidade devido à mortalidade embrionária.
Figura 2: Aves jovens apresentando quadro com sinais neurológicos.
Fonte: Cornell University
A razão pela qual a doença se apresenta sob diferentes formas em aves de diferentes idades deve-se a um fenômeno chamado resistência com a idade. Sabemos que à medida que as aves envelhecem, o sistema imunológico humoral torna-se mais responsivo, maduro e eficiente para responder aos desafios.
Todos os vírus da EA isolados até o momento pertencem a um único sorotipo. Entretanto, essas cepas antigenicamente uniformes variam no tropismo e virulência. Com isso, temos 2 patotipos diferentes:
- Cepas de campo (não adaptadas em embrião/ovos) à ENTEROTRÓPICAS
- Cepas patogênicas (adaptadas em embrião/ovos) à NEUROTRÓPICAS
As cepas de campo infectam as aves pela via oral e são eliminadas pelas fezes. São estirpes não-patogênicos, mas que têm a capacidade de infectar pintinhos e causar sintomatologia neurológica quando essas aves são suscetíveis, ou seja, sem anticorpos protetivos circulantes. Já as cepas adaptadas, acredita-se que sejam cepas mutantes de campo selecionadas após passagens embrionárias que possuem a capacidade de causar sinais neurológicos graves.
Figura 3: Aspectos epidemiológicos da EA com destaque para as formas de transmissão.
A transmissão da EA pode ocorrer tanto horizontalmente quanto verticalmente. Em razão disso, podemos ter diferentes períodos de incubação para a doença, como podemos ver no quadro abaixo (figura 3)
Macroscopicamente, as lesões são de difícil visualização, embora áreas pálidas e puntiformes possam ser encontradas no miocárdio e nos músculos do proventrículo e moela (figura A). A congestão dos vasos das meninges também pode ser um achado (figura B). Como não existem sinais clínicos patognomônicos da EA em aves adultas, as aves, além da já citada leve queda na produção de ovos, podem apresentar cegueira tardia e formação de catarata (opacidade ou coloração azulada dos olhos) (figuras C e D).
Figuras A e B: Lesões macroscópicas em razão da encefalomielite aviária.
Fonte: Cornell University
Figuras C e D: Opacidade de tonalidade azulada do cristalino em aves adultas.
Fonte: Cornell University
Microscopicamente, as lesões podem auxiliar bastante no diagnóstico. Não temos produção de corpúsculos de inclusão e a lesão principal consiste em encefalomielite não supurativa. Há gliose focal e difusa do cerebelo e medula, presença de manguito perivascular e cromatólise central (degeneração células de Purkinje) no SNC (figura E). As lesões viscerais são caracterizadas por hiperplasia dos agregados linfoides em diversos órgãos, principalmente proventrículo (figura F).
Figuras E e F: Opacidade de tonalidade e azulada do cristalino em aves adultas.
Fonte: aaap – American Association of Avian Pathologists
Autor:
Antônio Neto – M.V Serviços Técnicos | Zoetis – Aves