Ninguém duvida que as vacinas vetorizadas, também chamadas de recombinantes, vieram para ficar no mercado avícola. O fato é que elas são ferramentas eficazes e têm vantagens importantes quando pensamos nos programas imunoprofiláticos das aves. A tendência é que, cada vez mais, essa tecnologia seja incorporada aos programas de vacinação, pois os benefícios são claramente percebidos pelos produtores.
A tecnologia das vacinas vetorizadas é um bom exemplo da forte evolução científica que é característica inerente ao setor avícola. O conceito do vetor viral foi introduzido em 1972, e nos anos de 1983 e 1984, um vírus vetorizado foi utilizado para o desenvolvimento de uma vacina recombinante contra a influenza e a raiva. No setor avícola, as pesquisas com vacinas utilizando o herpesvírus dos perus recombinante (rHVT) iniciaram em 1990.
A vacina recombinante é o resultado de moléculas de DNA híbridas de 2 ou mais microorganismos expressadas em um vetor. Esses vírus recombinantes trabalham como um “cavalo de tróia”, utilizando o vírus como vetor para atingir as porções do inserto, desta forma, ao ser replicado no hospedeiro, ocorrerá a exposição às proteínas inseridas.
Essas proteínas serão reconhecidas pelo sistema imune da ave, gerando proteção contra os antígenos de duas ou até mais doenças. Assim, a vacina recombinante é capaz de gerar imunidade e proteção multivalente.
Figura 1: Construção da vacina vetorizada com o herpesvirus recombinante (rHVT). Fonte: Hein et al., 2021.
Atualmente na avicultura, os dois vírus mais utilizados como vetor para as vacinas recombinantes comercialmente disponíveis são o Poxvírus (vírus da Bouba) e o herpesvírus de perus (HVT). Estes dois vírus foram selecionados para o desenvolvimento das vacinas vetorizadas, pois possuem genomas grandes e são fenotipicamente estáveis, o que permite a inserção de porções do material genético dos insertos, criando o produto recombinante.
Um dos objetivos dessa tecnologia era não permitir que “vírus” a ser inserido no vetor fosse liberado para o ambiente externo, como acontece com as vacinas vivas convencionais, resultando em uma vacina extremamente segura do ponto de vista de reversão de virulência sem ocorrência de transmissão lateral.
Além disso, as vacinas recombinantes contam com a vantagem de não produzir as reações pós-vacinais, características principalmente das vacinas convencionais contra doenças respiratórias, como a Doença de Newcastle e a Laringotraqueíte.
Outro benefício relevante da tecnologia das vacinas vetorizadas é que a administração pode ser convenientemente realizada por dose única no incubatório, tanto por via subcutânea no pintinho de um dia como por via in ovo.
Não existe interferência dos anticorpos maternais na replicação das glicoproteínas do vírus recombinante. Essa vantagem motivou a migração de várias vacinas convencionais que antes eram feitas a campo pelo método de aplicação massal com várias doses para o incubatório. O exemplo mais claro disso é a vacinação contra a doença de Gumboro, que na maioria dos produtores é eficazmente prevenida com uma única dose no incubatório, utilizando vacinas vetorizadas ou de imunocomplexo.
Dessa forma, podemos dizer que a tecnologia das vacinas recombinantes produz um “casamento perfeito” com a vacinação in ovo, afinal, unimos a excelência no processo de administração da vacina realizada e o melhor controle do processo de vacinação em um produto seguro e conveniente. Essas duas tecnologias empregadas juntas são sinérgicas e resultam em maior segurança do esquema imunoprofilático.
Já está cientificamente comprovada a proteção com vacinas recombinantes para as seguintes enfermidades: doença de Marek, bouba aviária, doença de Gumboro, doença de Newcastle, laringotraqueíte, influenza aviária e Mycoplasma gallissepticum. No entanto, existem pesquisas promissoras em desenvolvimento no sentido de produzir novas ferramentas, inclusive utilizando diferentes vetores como, por exemplo, o adenovírus. É importante destacar que cada produto recombinante tem características únicas. Essa singularidade decorre do fato de que existem diferenças na construção genética de cada produto.
Um passo fundamental no desenvolvimento de uma vacina recombinante altamente eficaz é a seleção de glicoproteínas com grande capacidade imunogênica a serem inseridas no vetor. Essas proteínas farão parte da estrutura externa dos vírus vetorizados e elicitarão a resposta imune.
Cada vírus aviário possui uma ou mais proteínas que participam de maneira decisiva na resposta imune. O principal antígeno imunogênico do vírus da influenza aviária é a hemaglutinina, do vírus de Newcastle são as hemaglutinina-neuroaminidade e a proteína de fusão, do vírus de Gumboro é a VP2, da laringotraqueíte são as glicoproteínas g.
Reconhece-se que a proteína de fusão é mais imunogênica para a doença de Newcastle do que a hemaglutinina-neuroaminidade por exemplo. Portanto, cada produto terá sua característica própria e única, dependendo da inserção do gene utilizado e da consequente expressão da proteína com potencial imunogênico.
Além disso, outra diferença importante em relação às vacinas vetorizadas está relacionada ao promotor utilizado. Para que aconteça a expressão do gene inserido, por exemplo a expressão da proteína F da DNC, é necessário também inserir o gene promotor no DNA do vetor. O promotor é o gene que irá recrutar um grupo de polimerases para a produção da proteína imunogênica. Cada produto utiliza promotores específicos, o que torna a característica da vacina única em relação a dois pontos fundamentais: geração de imunidade (onset of immutity) e duração da imunidade (duration of immunity).
Onset of immunity pode ser definido como a espontaneidade com que a proteção total é alcançada após a administração da vacina. Evidentemente, quanto mais rápida for a geração da proteção, menor será o risco de desenvolvimento da doença. Já o duration of immunity pode ser definido como o tempo de geração da proteção total após o onset of immunity. Quanto maior for a duração da imunidade, mais efetiva será a vacina especialmente em aves de vida longa como poedeiras e reprodutoras. Um dos grandes desafios no desenvolvimento das vacinas vetorizadas é justamente antecipar o onset of immunity e retardar o duration of immunity.
Avanços na tecnologia de engenharia genética podem cada vez mais melhorar a produção e a eficácia das vacinas recombinantes, visando oferecer alternativas válidas aos produtores. Uma coisa é certa, a evolução na avicultura não para. É um processo constante.
O entendimento de como funciona uma vacina vetorizada, suas características, benefícios e limitações é essencial para a sanidade das aves.
Autor: Eduardo Muniz – Gerente de Serviços Técnicos e Outcomes Research | Zoetis – Aves