O primeiro caso de gripe aviária registrado em uma granja comercial no Brasil, no município de Montenegro, no Rio Grande do Sul, no dia 15 de maio, desperta uma discussão jurídica que pode mudar o panorama da crise para produtores, importadores e outros membros da cadeia. A dúvida é se nos contratos entre produtor e importador, a doença se enquadra ou não como força maior para efeitos de multas e penalidades.
A advogada Ieda Queiroz, especialista em direito empresarial e coordenadora do setor de agronegócios do CSA Advogados, explica que em condições normais a não entrega da carne de frango e derivados para importadores dentro dos prazos e condições estabelecidas no contrato geram multa, mas pelos produtores estarem diante de uma condição extraordinária, as penalidades podem não ser exigíveis.
“No Direito Internacional existe o conceito de force majeure, em português traduzido como “força maior”, que estabelece que, nesse caso, o fornecedor não pode pedir pagamento antecipado e os compradores não podem exigir penalidades, já que o problema afeta os dois lados, e não permite uma rescisão enquanto durar a crise”, afirma.
Em breve o Judiciário precisará discutir se vai enquadrar ou não a gripe aviaria como força maior, derivando disso uma situação ainda mais grave, que é a reação em cadeia da quebra desses contratos. “A situação é crítica pois impacta todo o entorno do produtor, que terá de renegociar diversos outros acordos para que também nesses contratos seja reconhecido o evento de força maior, para suspender outras obrigações”, alerta Ieda Queiroz.
Frederico Favacho, advogado especialista em agronegócios do Santos Neto Advogados, lembra do impacto em cadeia dos contratos do setor avícola também para os exportadores. “Não sabemos ainda a extensão do embargo à exportação brasileira de carne de frango, que pode se resolver em torno de 20 dias, se nenhum outro caso for identificado. De toda forma, considerando os contratos de exportação estarão suspensos ou rescindidos, é esperado um impacto econômico no fluxo do caixa das empresas exportadoras, que poderá ser menor ou maior a depender dos desdobramentos”, afirma Favacho.
Para Ieda Queiroz, com o controle do surto e retomada das exportações, a diminuição de matrizes para reprodução deve impactar com aumento dos preços, afetando principalmente os produtores que tiveram que sacrificar integralmente determinadas áreas de produção. “Avicultores do Rio Grande do Sul já têm sofrido desde o mês de abril do ano passado, quando as enchentes recordes afetaram o estado. Essa reação em cadeia chegará não só para produtores, abatedouros e exportadores, mas também ao ecossistema da região com a possibilidade de processos de recuperação judicial”, conclui.